domingo, 1 de maio de 2016

Homenagem ao 1º de Maio

FESTEJO
De Lila Ripoll

Foi num primeiro de maio,
na cidade de Rio Grande.
O céu estava sem nuvens.
O mês das flores nascia.
O vento lembrava as flores
no perfume que trazia.
O povo reuniu-se em festa
pois a festa era do povo.
Crianças, homens, mulheres,
o povo unido cantava.
O povo simples da rua,
comovido se abraçava.
O mês das flores nascia
e o vento lembrava as flores
no perfume que trazia.
Foi num primeiro de maio,
de pensamento profundo.
“Uni-vos, ó proletários,
ó povos de todo o mundo”.
Unido estava em Rio Grande,
o povo simples cantando,
No peito de cada homem
uma esperança se abria.
Em qualquer parte do mundo
uma estrela respondia.
Era primeiro de maio
dia da festa do mundo.
O velho parque esquecido
tinha um ar claro e risonho.
Germinava no seu peito
o calor de um novo sonho.
Misturavam-se cantigas,
frases, risos, alegrias.
No peito de cada homem,
um clarão aparecia.
Surgiam jogos e prendas,
hinos subiam ao ar.
Em cada grupo uma história
alguém queria contar.
A tecelã Angelina,
vivaz e alegre cantava,
Recchia - o líder operário
ria e confraternizava.
Era primeiro de maio,
dia de festa do mundo.
Foi quando a voz calma e séria,
no velho parque vibrou,
e um convite alvissareiro
o povo unido escutou:
“Amigos, a rua é larga.
Unidos vamos partir.
A nossa ‘União Operária’
nós hoje vamos abrir.
No peito de cada homem
Um clarão aparecia.
Em qualquer parte do mundo,
uma estrela respondia.
“A casa de nossa classe,
fechada por que razão?
Amigos, vamos à rua,
e as portas se abrirão.”
A onda humana agitou-se,
Cresceu em intensidade .
Em coro as vozes subiram
clamando por liberdade.
“Á rua,à rua, sem medo,
unidos, vamos marchar.”
Foi como se uma rajada
De vento encrespasse o mar.

PASSEATA
Sem demora, a passeata organizou-se.
Rompeu-se a indecisão.
Um sopro audaz passava em cada rosto,
onde os olhos falavam com estrelas,
na densa escuridão.
Espontâneas as filas se formaram
e ergueram-se a cantar.
Nas mãos erguidas, lenços tremularam,
impacientes também para avançar.
- Quem vai na frente? Quem? disseram vozes.
E três vultos surgiram, decididos.
Eram pedreiros uns. Outros portuários.
- Recchia, Osvaldino, Honório, Euclides Pinto -
e também Angelina, a tecelã.
E a passeata iniciou-se: “Adiante, amigos
Avancemos sem medo. A rua é nossa.”
 Ouviu-se a voz sonoramente clara,
indicando o caminho a percorrer.
Decididos, os passos ritmados
marcaram os primeiros movimentos.
Punhos fechados,
lenços agitados,
e o vento acompanha o movimento
da marcha triunfante.
“A Bandeira na frente, companheiros”,
e Angelina surgia, erguida fina,
tocada pela luz da tarde mansa,
como um vivo estandarte a caminhar.
Os passos ritmados,
batiam sem cessar.
“Viva a classe operária. Salve. Viva!”
Era o coro das vozes a clamar.
Como um pássaro verde, muito verde,
a Bandeira voava,
revoava,
por sobre o mar humano a se espraiar.
Flutuavam lenços, mãos gesticulavam.
Vozes subiam animando a marcha.
E as filas andavam sem parar.
A “União” já estava quase a aparecer
e os punhos se fechavam.
Um sopro audaz passava em cada rosto.,
onde os olhos brilhavam.
“Viva a ‘União’, companheiros, viva o povo”.
E a voz interrompeu seu entusiasmo
e um silêncio caiu, inesperado.
E logo uma palavra subiu clara,
atravessando homens e mulheres,
como um fino punhal.
“A polícia, a polícia, companheiros”.
E houve um leve arquejar. E alguém falou:
“Avançar, companheiros, avançar.”
Era Recchia investindo desarmado
E a onda contida transbordou.

ANGELINA
A massa resiste,
rebelde,
indomável,
erguendo muralhas,
de peitos e braços,
às frias espadas,
aos altos fuzis.
A rua tranquila,
tão cheia de cantos,
encheu-se de cinza,
de sangue e de pó.
O povo resiste
e os tiros aumentam.
Protestam as vozes
Num vivo clamor.
Respondem espadas,
fuzis apontados,
fuzis metralhando.
A massa recua,
retorna e avança
com novo vigor.
Na rua estendidos,
Euclides e Honório,
e mais Osvaldino,
fecharam seus olhos,
seus lábios calaram.

As vagas aumentam
de ódio incontido.
E há novos protestos
do povo ferido.
Alguém arrebata
das mãos de Angelina
a verde Bandeira
que ondula no ar.
Os tiros procuram
o peito de Recchia.
E os tiros ficaram
no peito a morar.
Os olhos dos homens
refletem angústia,
revelam paixão.
Ferido está Recchia,
e há sangue no chão.
Ninguém junto ao leme,
ninguém no comando.
Vermelhas papoulas
matizam o chão.
O rosto em tormento,
cabelos ao vento,
retorna Angelina,
mais alta e mais fina.
“A nossa Bandeira,
nas mãos da polícia?”
E à luta regressa,
com febre no olhar.
Os braços erguidos,
subiam, caiam,
em meio a outros braços,
o mastro a arrastar.
E às mãos vitoriosas,
num breve momento,
retorna a Bandeira
batida de vento.
Um frio estampido
correu pelo espaço,
na rua vibrou.
Vacila a Bandeira,
vacila Angelina,
e a flor de seu corpo
na rua tombou.
Não. Não aceito este vento
como eterno.
Nem o céu toldado
como paisagem possível.
Nem a música absurda dos tambores
quebrando o ritmo da melodia verdadeira.
Não. Não aceito a mutilação
de meu espírito.
De meus passos,
Da brasa de sonho
que arde dia e noite no meu peito.
Não. Não aceito a vida
emoldurada em formas imutáveis;
as estrelas sem brilho; as vozes fechadas na garganta;
códigos substituindo pensamentos;
a neblina nos olhos; as palavras esmagadas.
Não. É preciso que amanheça.
Que se ouçam os cantos líricos
dos pássaros.
Os cantos nítidos da vida.
A voz dos homens rompendo o silêncio de chumbo.
É preciso que amanheça.
Que a música contida
irrompa caudalosa,
como um rio que deixa o leito
a procura do mar.

AMANHÃ
Morreram? Quem disse se vivos estão!
Não morre a semente lançada na terra.
Os frutos virão.
Morreram? Quem disse, se vivos estão!
As flores de hoje, darão novos frutos.
Meus olhos verão.
Num dia, tão certo, tão claro, tão perto,
Verei pelas ruas o povo ondulando,
marchando a cantar.
Nas mãos estandartes, a febre nos olhos,
nos lábios palavras de claro sentido:
“Poder popular!”
Figuras do povo nos grandes cartazes -
Euclides e Recchia, Honório, Angelina -
que grande emoção!
As flores caindo das altas janelas,
floridas também. E as palmas ecoando
no meu coração!
O nome de Prestes, num ritmo exato,
por todos cantado, sonoro, sem manchas,
na tarde a vibrar.
As flâmulas altas, de cores variadas,
nos mastros subindo, descendo, ondulando,
e o vento a girar.
Mistura de vozes - de velhos, crianças,
De homens, mulheres, do povo nas ruas,
do povo a cantar.
A grande alegria caindo dos olhos,
Das vozes, das flores, do dia sem nuvens:
“Poder Popular!”
Num dia, tão perto, tão claro, tão certo,
Meus olhos verão.
Não morre a semente lançada na terra.
Os frutos virão!


Fonte: http://www2.al.rs.gov.br/biblioteca/LinkClick.aspx?fileticket=coAmo0yc2S8%3D&tabid=3101

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Após crise, jovem cria sistema que reaproveita água de máquina de lavar

Iago Santos, de 18 anos, desenvolveu projeto em Jacobina, norte do estado.
Método usa água de aparelho doméstico na descarga de vaso sanitário.

Henrique MendesDo G1 BA

A experiência recente de convívio com a crise hídrica levou um jovem morador do município de Jacobina, no norte da Bahia, a desenvolver um sistema de reaproveitamento de água da máquina de lavar para a descarga do vaso sanitário. O inventor do projeto é Iago Santos, 18 anos, aluno do quarto ano do ensino médio cursado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), numa formação integrada com o curso técnico em eletromecânica

"Tivemos uma escassez de água em 2012 e comecei a estudar para ter embasamento teórico sobre o assunto, para saber como poderia ajudar. A ideia veio de casa. Minha mãe já armazenava água [da máquina de lavar] na área de serviço, só que o uso no banheiro era manual", disse sobre a ideia inicial de desenvolvimento do sistema de reaproveitamento.

Segundo Iago Santos, após pesquisas na internet e livros de eletromecânica, a primeira ideia do que seria o sistema foi implementado na própria casa, em junho de 2014. Por meio do uso de tubulações, transformador de energia e reservatório, o estudante elenca que conseguiu criar um projeto exequível e de baixo custo.

Três meses após a criação, com a percepção de que o projeto era realidade, Iago detalha que apresentou o sistema para dois professores, que passaram a auxiliá-lo em alguns aperfeiçoamentos. "Depois de seis meses de testes, eu me senti à vontade para apresentar às pessoas agora [fevereiro]. Já comecei a ser procurado por alguns interessados em instalar o sistema nas próprias casas. A primeira foi a minha vizinha", destacou.

Iago detalha que a ideia foi criar um sistema automatizado para conduzir a água do reservatório da máquina de lavar até o vaso sanitário com baixo custo, fácil instalação e pequeno consumo de energia.

Em casa, onde o sistema já opera há quase um ano, o estudante conta que, a cada duas semanas, tem usado apenas 100 litros de água da rede de fornecimento do município na descarga. Antes, eram 600 litros por dia. "A economia vai depender de quantas pessoas têm na casa e quantas vezes elas usam a máquina de lavar, além do tamanho da máquina", diz.

Economia
Com o sistema criado por Iago, a água usada na lavagem de roupas é direcionada para um reservatório e, por meio de um bombeamento com baixo consumo de energia, é conduzida para a descarga do vaso sanitário. A boia da descarga é usada como chave para a entrada da água proveniente da máquina de lavar. Quando a boia está alta, a chave está aberta.

O sistema é barato, custa em média R$ 200, e também consome pouca energia. É outro ponto bom de destacar, já que estamos num período em que se fala muito em crise no fornecimento de energia", explica. Ele conta que a fonte de bombeamento é de 12 volts.

Prestes a se formar no curso técnico em eletromecânica - no final de 2015 -, o estudante diz que o projeto será utilizado como trabalho de conclusão de curso, com a ideia de possibilitar a instalação gratuita nas demais residência do município. Sobre oportunidades de patrocínio, ele diz que esse não é o foco.

"Usei meu estudo para resolver um probelma social e pensando nas gerações futuras. Eu fiz o sistema para que seja voluntário. A ideia é contribuir para que as pessoas façam o melhor uso da água. Se, futuramente, tiver oportunidade de usar meu projeto como meio de sobrevivência e puder trabalhar com isso, claro que eu ficaria feliz. Entretanto, a ideia de ser patrocinado não é meu foco", comenta.

Fonte: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2015/02/apos-crise-jovem-cria-sistema-que-reaproveita-agua-de-maquina-de-lavar.html

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Escola em Paraty (RJ) aboliu provas, disciplinas e séries há um ano

Por Daniel Froes | 17 de junho de 2015 


A escola é pequena, tem apenas 50 alunos. Mas, a sua capacidade de inovar na maneira de ensinar é grandiosa. Há um ano, a Escola Comunitária Cirandas, em Paraty (RJ), trabalha com um método de ensino sem matérias, provas ou séries. Nem sinal de recreio existe. 

As crianças chegam ao colégio às 8h e participam de uma roda de cantos, poesias e tai chi chuan “para despertar o corpo”, diz a diretora da escola, Mariana Benchimol, em entrevista para a Folha de S. Paulo. Elas só voltam para suas casas às 15h20. 

A escola possui uma sala de iniciação, onde os alunos são alfabetizados, e outra de projetos, reservada para as atividades semanais. Na hora da refeição, eles servem e lavam os próprios pratos, se revezando na organização do refeitório. Os estudantes também participam de projetos anuais, como acontece nas escolas da Finlândia, reconhecida mundialmente pela excelência na educação. 

No ano passado, a direção da escola e as crianças planejaram uma viagem para o Havaí. “Primeiro, eles queriam surfar no Havaí, mas viram que não seria viável e organizaram uma viagem para uma praia perto”, relembra a diretora. Eles calcularam custos, arrecadaram fundos e escreveram o roteiro da viagem.

Mariana acredita que o ensino tradicional desconsidera as diferenças entre os estudantes e que seguir uma apostila pré-elaborada fere a autonomia da criança. “Aqui, o professor tem um planejamento que não é uma grade. Ele ouve as crianças e traz o conteúdo curricular de forma transversal”, reflete. 

Os alunos são divididos por afinidade de conhecimentos, maturidade, idade ou por projetos. E todos eles pertencem a um único ciclo, que corresponde ao 1º e ao 5º ano do ensino fundamental.

 E, mesmo que não haja provas, as crianças são avaliadas. A escola conta com uma base interna para acompanhar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). 

O valor da mensalidade de que quem paga para estudar na escola é de R$ 1.000,00 reais. Mas, metade das vagas é reservada para alunos bolsistas. “Temos filhos de banqueiros convivendo com filhos de trabalhadores domésticos. Alguns viraram melhores amigos e frequentam a casa um do outro”, diz orgulhosa a diretora.

terça-feira, 24 de março de 2015

FINLÂNDIA SERÁ O PRIMEIRO PAÍS DO MUNDO A ABOLIR A DIVISÃO DO CONTEÚDO ESCOLAR EM MATÉRIAS.

finlandiaseraoprimeiropaisaabolirmaterias00_01

A campainha toca, mas, em vez da aula de História, começa a aula de “Primeira Guerra Mundial”, planejada em conjunto pelos professores especialistas em História, Geografia, Línguas Estrangeiras e (por que não?) pelo professor de Física que achou que seria uma boa oportunidade para trabalhar os conceitos de Balística.
À tarde, outro sinal, mas os alunos não vão ter aula de Biologia. Hoje a aula é sobre “Ecossistema Polar Ártico”, ministrada pelos professores especializados em Biologia, Química, Geografia e o de Matemática, que percebeu que os dados sobre o derretimento das geleiras seriam úteis para o estudo de Estatística.

Em pouco tempo, cenários como esse, que já são comuns nas principais escolas da capital Helsinki, poderão ser encontrados em toda a rede de ensino do município e nas cidades do interior. O objetivo é claro:
A Finlândia quer ser o primeiro país do mundo a abolir completamente a tradicional divisão do conteúdo escolar em “Matérias” e adotar em todas as suas escolas o ensino por “Tópicos” multidisciplinares (ou “Fenômenos”, conforme a terminologia adotada pelos educadores finlandeses).
Há anos, a educação finlandesa vem sendo considerada a melhor do mundo. Com “segredos” como valorização dos professores, atenção especial aos alunos com mais dificuldades, valorização das artes e de diferentes formas de aprendizagem e uma radical redução no número de provas e testes, o país tem consistentemente dividido as mais altas posições nos rankings do PISA (Programme for International Student Assessment, ou Programa para Avaliação Internacional de Estudantes) com Cingapura, mas com as vantagens de oferecer uma educação universalmente gratuita e livre dos tremendos níveis de estresse aos quais os estudantes asiáticos são submetidos.

Apesar dos excelentes resultados (ou talvez por causa deles), a Finlândia pretende continuar repensando e aprimorando seu sistema educacional. “Não é apenas Helsinki, mas toda a Finlândia que irá abraçar a mudança”, afirma Marjo Kyllonen, gerente educacional de Helsinki. “Nós realmente precisamos repensar a educação e reprojetar nosso sistema, para que ele prepare nossas crianças para o futuro com as competências que são necessárias para o hoje e o amanhã. Nós ainda temos escolas ensinando à moda antiga, que foi proveitosa no início dos anos 1900 – mas as necessidades não são mais as mesmas e nós precisamos de algo adequado ao Século 21.”

Naturalmente, a ideia de substituir “Matérias” por “Fenômenos” como forma de dividir o conteúdo escolar e apresentá-lo aos alunos sofreu resistência inicial, principalmente dos professores e diretores que passaram suas vidas se especializando e se preparando para ensinar matérias. Mas com suporte do governo – inclusive incentivos financeiros através de bonificações para os professores que aderissem ao método – os professores foram gradualmente se envolvendo e hoje aproximadamente 70% dos professores das escolas de ensino médio da capital já estão treinados e adotando essa nova abordagem.

Atualmente, as escolas finlandesas já são obrigadas a oferecer ao menos um período de ensino multidisciplinar baseado em Fenômenos por ano. Na capital Helsinki, a reforma está sendo conduzida de forma mais acelerada, com as escolas sendo encorajadas a oferecer dois períodos. A previsão de Marjo Kyllonen é de que em 2020 a transição estará completa em todas as escolas do país.

http://rescola.com.br/finlandia-sera-o-primeiro-pais-do-mundo-a-abolir-a-divisao-do-conteudo-escolar-em-materias/

quinta-feira, 12 de março de 2015

Ódio ao PT?


Na história do Brasil, sempre que o salário mínimo e a renda média subiram, houve algum tipo de intento golpista. O problema da elite não é com a corrupção.
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/odio-ao-PT-/4/33042
Róber Iturriet Avila*
Três intelectuais de relevo trataram recentemente acerca do ódio ao PT: Leonardo Boff, Luis Fernando Veríssimo e Luiz Carlos Bresser Pereira. Suas palavras têm a lucidez de quem enxerga além das aparências e do senso comum. Embora o momento corrente não seja corriqueiro, um olhar histórico traz ensinamentos.
 

Na Revolução Francesa, por exemplo, na aparência havia uma ruptura lastreada em novos valores: Liberté, Egalité, Fraternité. O pano de fundo real era, entretanto, a emergência de um novo grupo. Em meio a um período econômico conturbado, a burguesia degolou o poder político e o status social da aristocracia.

No Brasil, a constatação de que a escravidão foi excessivamente longa já sinalizava que o arranjo da sociedade é deveras estamental. Políticas progressistas sempre encontraram fortes barreiras conservadoras.

Os conflitos de 1954, por exemplo, foram intensos. Na superfície, o governo estava cercado diante dos “escândalos” de corrupção. A constante oposição na imprensa desgastava Vargas. Em 1954, o então presidente aumentou o salário mínimo em 100%. Quem não é ingênuo sabe que Vargas estava contrariando interesses empresariais, tanto com a concessão de direitos trabalhistas e civis, quanto com ampliações salariais. O suicídio foi a saída honrosa ao cerco montado.

João Goulart foi presidente em um período de conflitos. Seu governo concedia elevados aumentos salariais, prometia reforma urbana, voto de analfabetos, elegibilidade de todos brasileiros, reforma agrária, concessão de terras a trabalhadores rurais, justiça social, emancipação dos brasileiros. Caiu! O receio do “golpe comunista” foi o discurso raso que justificava.

Vargas e Goulart saíram do poder ao tempo em que concediam direitos sociais, sobretudo aos menos favorecidos. Não é novidade que durante os governos do PT, os trabalhadores ampliaram sua renda, o salário mínimo cresceu de maneira contínua e houve uma série de programas sociais. Não surpreende que, mais uma vez, setores da sociedade brasileira se ergam contra tais políticas, ainda que, escamoteadamente, o bordão seja “contra a corrupção”.

Evidentemente, existem elementos factuais dos governos Lula e Dilma que causaram desconforto e indignação a todos os cidadãos. Contudo, é preciso muita inocência para imaginar que as manifestações contra o governo são incentivadas pelo descontentamento com a corrupção, pela elevação do preço do combustível ou da energia. Quem tem conhecimento histórico e compreensão profunda da sociedade não ignora a ojeriza existente a um programa que garante R$ 35,00 para os pobres. O ódio não é ao PT.

Conhecendo um pouco mais dos dados do Brasil se observa que houve dois momentos de crescimento relevante do nível dos salários: no período Getúlio Vargas - João Goulart e nos governos do Partido dos Trabalhadores. Os gráficos abaixo não apenas demonstram esses movimentos como indicam que presentemente o excedente operacional bruto caiu em relação ao produto total em detrimento do incremento nos salários. Interesses poderosos estão sendo feridos. Não apenas segmentos estão perdendo, em termos relativos, como também regiões. Será mesmo preciso pintar de azul em um mapa qual região perde mais com a solidariedade distributiva?






Doutor em economia, pesquisador da Fundação de Economia e Estatística e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.