terça-feira, 8 de março de 2011

Sim, a mulher pode [...]

Divulgamos artigo publicado no Jornal Agora de 07/03/11.

Presidenta Dilma. Por que empregar o feminino?


O emprego é recente e matéria para refletir neste 8 de março; ele data do compromisso da presidenta Dilma Roussef de honrar a mulher brasileira criando igualdade de oportunidades entre o homem e a mulher, segundo ela, princípio essencial da democracia. "Sim, a mulher pode [...]. Eu cheguei à presidência porque uma porção de mulheres saíram de suas casas e foram trabalhar [...]. Esse conjunto de mulheres começou e cada vez mais passou a construir o Brasil de forma mais clara e mais brasileira. Por isso concordo em ser Presidenta" (Programa Ana Maria Braga, 2 de março 2011).
A feminização dos títulos de função pública tem origem nesse fenômeno social: a ascensão maciça das mulheres ao mercado de trabalho. Sua integração em atividades das quais as mulheres estiveram excluídas provocou a evolução lexical e gramatical da língua. Se a feminização responde a uma dupla necessidade – a primeira de ordem linguística, a segunda de ordem social –, a constatação de que a mulher está ausente na língua se impõe: por toda parte, o masculino vem na frente, apagando a presença do feminino.
Segundo uma nova geração de mulheres, o imaginário deve ser reinventado por elas, menos para restabelecer a ordem das coisas do que para constituir um mundo próprio, que promova uma espécie de sindicato em defesa e valorização da identidade feminina. Louise Larivière, professora das Universidades de Montreal e Concórdia no Canadá, defende a razão de ser da feminização e analisa as causas que criam obstáculo, quer à visibilidade das mulheres, quer à igualdade entre elas e os homens. Faz isso descrevendo a oposição às formas marcadas, muitas vezes, pela ignorância, pela idiotia ou má-fé. Sua tese é simples e direta: coerente no plano linguístico, no plano social a feminização "testemunha a respeito do lugar que agora a mulher ocupa em todas as esferas da vida moderna". Feminizar é, então, ir contra o sexismo na língua e na sociedade.
São conhecidos os argumentos dos adversários dessa tese. Em primeiro lugar, defendem a neutralidade dos termos genéricos, por exemplo, "o homem" ("O homem é um mamífero, ele amamenta seus filhotes"). Fonte de ambiguidade, esse método acarreta incongruências como essa, difíceis de tolerar quando faz um dos papéis específicos desempenhar o papel de genérico, quase sempre o masculino. Se as palavras não designam apenas as funções, mas as pessoas que as exercem, elas deveriam logicamente trazer a marca do gênero que corresponde ao sexo dessas pessoas.
É preciso terminar com o desprezo pelo gênero feminino, conservado pelos dinossauros das academias e seus seguidores. Somente a feminização pode corrigir as derrapagens, as aberrações linguísticas. A língua deve ser viva, deve permitir exprimir a evolução da sociedade. Será aceitável que os nomes das profissões que existem nos dois gêneros tenham, ainda, valor diferente se empregados no masculino ou no feminino? Por que cozinheiro designa um chef de cuisine e cozinheira, uma executante? Costureiro, um criador de moda, e costureira, uma executante? A secretária, uma subordinada, o secretário, um dirigente? Isso se deve a um machismo linguístico e social, principalmente se considerarmos que a língua não é objeto estético nem patriótico, mas linguístico, que deve servir, entre outros objetivos, à justiça social.
A escritora feminista francesa Benoîte Groult sublinha que o genérico "homens" pode englobar os homens e as mulheres ou um determinado grupo de homens. Mas em hipótese alguma pode referir um grupo composto exclusivamente por mulheres. Por outro lado, às mutilações sexuais femininas infligidas a milhões de mulheres e meninas – que vão de encontro aos direitos os mais elementares –, não cabe a expressão "direitos do homem", mas sim "direitos da pessoa", mais adequada.

*Nubia Hanciau
Professora PPG-Letras
Universidade Federal do Rio Grande

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